A Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil - APRODAB, por meio desta nota, vem prestar solidariedade aos familiares e amigos de Bruno Pereira (indigenista brasileiro e servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio) e Dom Phillips (jornalista inglês correspondente do jornal britânico The Guardian), desaparecidos no Vale do Javari (AM) desde o último dia 05 de junho, onde faziam pesquisa sobre os conflitos de ocupação na Amazônia, com o intuito de propor soluções para a manutenção da floresta em pé, ao lado de seus guardiões indígenas.
Na tarde de hoje, 15 de junho, chegam as notícias sobre o pior desfecho desse pesadelo: ao tentarem dar voz à floresta e aos seus povos, mais um brasileiro e mais um estrangeiro foram executados por um Brasil sem justiça e sem aplicação da lei.
Além do profundo pesar que externamos neste momento tão triste, afirmamos também a nossa indignação. Não estamos diante de um fato isolado, de algo grotesco que ocorre excepcionalmente. Vivemos em uma arquitetura econômica e social que favorece tais execuções. Infelizmente, o Brasil está constantemente entre os países nos quais mais morrem defensores de direitos humanos, conforme levantamentos feitos pelos Human Rights Watch e pelas Nações Unidas.
Essa realidade está no centro de preocupações que levaram à assinatura do Tratado de Escazú, ainda não ratificado pelo Brasil. E, pior, na atualidade vemos como o próprio governo estimula a violência, ao ridicularizar a importância da preservação ambiental no país. Assim, temos assistido a execuções de ambientalistas quase que diariamente. Ser ativista ambiental no Brasil é muito perigoso. Ser um ativista que denuncia as ilegalidades e atrocidades cometidas pela indústria da grilagem de terras, pelos invasores de terras indígenas, pelos aliciadores de jovens e crianças indígenas, pelo crime organizado, muitas vezes aliado ou respaldado por autoridades públicas, é fatal.
Para nós que, além de outras frentes, lutamos pelo equilíbrio socioambiental no Brasil, usando o direito e a legislação como instrumental quotidiano, é inaceitável que, diante de um conjunto de normas e estruturas institucionais existentes para a administração ambiental brasileira, crimes brutais como este prevaleçam. É vergonhoso que a autoridade máxima do país se manifeste sobre o desaparecimento de Bruno e Dom lançando sobre as próprias vítimas a responsabilidade de terem se metido em um lugar perigoso. Como se a segurança de todos não fosse responsabilidade do Estado. Como se o Brasil não tivesse leis claras, terras indígenas formalmente demarcadas, tipos penais para enquadrar grileiros e crimes em unidades de conservação e terras indígenas. A respeito da demarcação destas, aliás, urge a definição pelo STF, em prol da segurança jurídica, sobre o afastamento da inconstitucional tese do Marco Temporal.
O Brasil tem suas mãos sujas com o sangue de tantos que saem de suas zonas de conforto individual para atuar na busca do desenvolvimento de uma sociedade livre, justa e solidária.
O Brasil descumpre sua Constituição diariamente. Bruno Pereira, Dom Phillips, Maxciel dos Santos Paulo Guajajara, Dorothy Stang, Chico Mendes - é longa a lista de vítimas dessa situação - fizeram e fazem mais pelo país que muitas autoridades públicas.
15 de junho de 2022
Associação dos Professores de Direito Ambiental do Brasil
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